O que você faria de juntasse dinheiro durante 20 anos e arriscasse toda essa grana em uma única operação de Day Trade?
Atendi o celular. O DDD era 13 – que, na hora, não identifiquei de que cidade era. O número do telefone, desconhecido.
E ouvi uma voz feminina, chorosa, do outro lado:
- Alô?! É o Elliot quem tá falando?!
Dava para sentir o desespero naquelas palavras, o desespero de quem está nos seus últimos recursos, o desespero de quem procura uma beirada para se agarrar já no meio da queda.
O desespero de como se uma vida estivesse prestes a ser perdida.
E, como eu pude comprovar depois, estava.
Minha primeira reação ao ouvir aquele pedido de ajuda, que buscava alguém chamado Elliot, foi de espanto.
Demorei alguns segundos para processar: afinal, meu nome nunca foi Elliot.
Mas esse era meu apelido na sala de trade de que eu participava, uma espécie de chat em que, como negociadores da bolsa, trocávamos ideias e impressões sobre o que o preço dos ativos faria a seguir, em meados dos anos 2000.
Mesmo operando através de métodos que hoje eu considero ineficientes e ultrapassados, eu tinha bons resultados e as pessoas da sala observavam e respeitavam minhas tomadas de decisão.
Eu comprava, o mercado subia. Eu vendia e o mercado caía. Bem, quase sempre isso dava certo. No entanto, o suficiente para que meus sinais de operação fossem muito respeitados por todos.
Era hora do almoço, eu tinha acabado de deixar meu terminal, na filial da corretora em que trabalhava, em Presidente Prudente, e me dirigia despreocupadamente para o restaurante que ficava no prédio vizinho. Afinal, para mim, era um dia como os outros, embora o Ibovespa estivesse caindo quase 3% até aquele momento.
Isso não é problema para quem está operando profissionalmente: pelo contrário, é a chance de fazer dinheiro com vendas.
Assim, aquele telefonema me pegou completamente desarmado no final daquela manhã chuvosa que deixava o dia ainda mais cinzento e frio.
Vinda de algum lugar distante dali, aquela voz desesperada ecoava pelo meu velho Motorola, um aparelho moderno para a época, mas que hoje não passa de um objeto mais parecido com um tijolo dado seu tamanho e utilidade atual.
- Calma, senhora... respira e me conta o que está acontecendo – eu disse, quase que contagiado por aquela carga de ansiedade.
Ela e o marido acompanhavam minhas chamadas de compra e venda na sala de que eu participava. Contou-me que conseguiu meu número de telefone com um corretor de Belo Horizonte. Como muitos outros, ela respeitava minha opinião, a opinião de alguém do qual só conhecia o apelido, Elliot, e nada mais.
- Elliot! Elliot! Meu marido fez uma loucura!
Os dois eram ambulantes em Santos há 20 anos. E, durante esse tempo todo, guardaram a maior parte do que vendiam em água de coco, na praia, e tinham feito uma boa economia.
Somente nos últimos meses haviam descoberto a bolsa de valores, em que ele vinha fazendo day trade com um pequeno e relativo sucesso.
Porém, naquela manhã, de fato, o marido dela fez uma loucura. Num arroubo de excesso de confiança, como se quisesse mudar a vida dos dois em uma única cartada, cometeu um grande erro. Por conta própria, comprou uma quantidade enorme de contratos cheios de índice. Para você ter uma ideia, cada contrato cheio de índice equivale, aproximadamente, à pontuação do Ibovespa em reais.
Em valores de hoje, então, cada um valeria uns R$ 80 mil. Se você estiver lendo este livro em outra época, é só dar uma olhada na cotação do índice ou do contrato futuro de índice e converter para reais.
Graças à alavancagem possibilitada pela margem de garantia das corretoras, ele pôde comprar bem mais papeis do que seu patrimônio permitiria em valores absolutos. Quando ela me contou quantos contratos o marido estava negociando, naquele dia em que o mercado só caía, eu só pude responder:
- Quantos???!!!
Eu não lembro exatamente quantos eram, pois essa história já tem quase 20 anos. Mas lembro do meu espanto esmagador. Ao ouvir o número, mesmo não estando envolvido diretamente naquela confusão, meu estômago embrulhou.
Enquanto isso, ela só conseguia pedir ajuda:
- Elliot, você tem que fazer alguma coisa... nós estamos perdendo tudo o que temos! Tudo! Eu não conheço você, nem você me conhece, mas se Deus quiser, ainda vamos nos encontrar e vamos agradecer muito a sua ajuda!
Os 20 anos de economia do casal estavam indo pelo ralo.
Pelo ralo não: estavam indo para o bolso de outros participantes do mercado.
Gente que jamais acordou antes do sol nascer em Santos para comprar cocos frescos, gente que nunca voltou cansada depois de atender centenas de turistas em sua barraquinha, gente que nunca perderia a conta de quantos golpes de faca naqueles frutos foram necessários para abri-los, ao longo de duas décadas, para guardar aquele patrimônio.
Gente não: a maior parte do dinheiro é retirada do mercado não por pessoas, mas por participantes institucionais, grandes companhias transnacionais. E era o que estava acontecendo com o patrimônio daqueles dois. Um patrimônio pequeno para alguns, mas que, para eles, era tudo. Tudo. Uma vida de 20 anos de parceria.
Eu voltei para meu terminal. Na época, eu usava um software que me dava uma leitura do preço através de Price Action. Não vou nem explicar o que é isso, porque não usaria nem recomendaria hoje em dia, embora na época funcionasse muito bem para mim.
O mercado tinha retornado de uma queda de 3% para uma de 2,2%, subindo portanto 0,8%.
Os recursos do casal, que antes tinham ficado em um terço do inicial, teriam uma sensível recuperação se a posição fosse liquidada naquele exato momento.
Porém minha leitura era de que aquela breve alta era apenas um pullback. Isto é, o mercado teve essa pequena recuperação para, a seguir, supostamente retomar o movimento de queda.
- Senhora, minha opinião é a seguinte. Vocês tem que fechar essa operação urgentemente enquanto o mercado está nesse pullback, porque já já vai continuar a cair. Entendeu? Vocês têm que zerar urgente!
Ela falou com ele. Pelo telefone, eu pude escutar a conversa, um tanto confusa. A voz dele distante, a voz dela, suplicante, que até hoje soa em meus ouvidos.
Mentalmente, eu tentava calcular quantos anos daqueles 20 de trabalho seriam salvos se eles seguissem minha recomendação naquele momento. Quantos seriam perdidos? Quanto cada ponto do índice equivaleria em meses de trabalho debaixo do sol forte e sob o calor? Quanto em litros de suor, dedicação, cansaço e até amor e confiança mútua um ponto de índice vale, afinal?
O fato é que vidas não podem ser medidas assim. Não têm preço.
Mas o mercado desconhece isso.
Naquela altura, os dois só desejavam que nada daquilo estivesse acontecendo, que o dinheiro magicamente voltasse para a conta.
Segundo ela, ele estava prestes a ter um infarto e, teimoso, tinha certeza de que aquele pullback era o sinal de que o índice voltaria para o ponto em que realizou a sua compra. Estava decidido a só encerrar a operação quando visse todo o seu dinheiro de volta.
Nenhum dos dois estava mais em condições de tomar decisões, tomados pela emocionalidade.
No entanto, como eu havia previsto, a bolsa continuou sua trajetória de queda depois daquela breve recuperação.
A essa altura, eu não estava mais com ela ao telefone. Eu fiz o melhor que podia. E só podia contar com que tivessem tomado a melhor decisão.
Eu só conseguia imaginar aquele homem, no fim da tarde, balançando a cabeça prostrada, apoiada entre as mãos, os cotovelos na mesa dizendo:
- Meu Deus, o que eu fiz... –, sem acreditar que aquilo era verdade, que não era um pesadelo em que ele mesmo se meteu.
Embora eu mesmo já tivesse sofrido algumas perdas na bolsa, todas elas foram contornáveis, dentro do meu gerenciamento de risco. Nenhuma delas chegou a níveis destruidores, debilitantes, dilacerantes, como eu presenciei de tão perto como aquele dia: algo de que eu já tinha ouvido falar, mas que nunca testemunhara.
Antes, era só isso: histórias.
Agora era algo real.
Minha ficha sobre o que, de fato, era a bolsa de valores finalmente caiu.
Eu ainda morava com meus pais e, ao voltar para casa naquela noite, contei a eles o que havia acontecido e como percebi que a bolsa de valores não era um brinquedo. Eles me ouviram e, pelas suas expressões, entendi que eles perceberam que eu havia aprendido uma lição importante.
O mercado pode acabar com a vida de pessoas. O que eu vi acontecer tão tragicamente e de tão perto ocorre não com uma ou duas pessoas de cada vez. Mas centenas. Milhares delas.
Diariamente.
Até então, minha atuação na bolsa era uma atividade individual. Eu era um trader. Nunca tinha pensado em ensinar a negociar, a fazer operações nos mercados.
A partir desse dia, porém, eu descobri que precisava ajudar as pessoas.
Há uma frase no Talmud, coletânea de livros judeus antigos, que diz: quem salva uma vida salva o mundo inteiro. Essa frase foi usada inclusive no filme A Lista de Schindler, de Steven Spielberg.
Sei que não posso ajudar todas as pessoas e que independentemente de qualquer esforço meu, o mercado continuará a dilacerar contas daquelas que nele entram sem saber exatamente o que estão fazendo.
Mas meu desejo, hoje, é de compartilhar meu aprendizado das últimas duas décadas com o máximo delas, de maneira que essas coisas aconteçam com menos frequência. Pelo contrário: para que, para muitas, a bolsa de valores seja fonte de abundância, riqueza e prosperidade, como tem sido para mim.
Hoje eu vejo que esse episódio só serviu para resgatar comportamentos éticos e visões de mundo que, desde muito cedo, aprendi com uma pessoa muito importante para mim.
Meu avô materno.