Estão dizendo por aí que ninguém esperava por essa crise.
Vou ser bem sincero com você.
Até pode ser que a gente não esperasse que fosse por um motivo destes: uma pandemia. Uma doença viral que se espalha rapidamente pelo globo com consequências potencialmente fatais e, sobretudo, com uma grande possibilidade de provocar o colapso no sistema de saúde de diversos países.
Porém, imaginar que uma crise não acontece de uma hora para a outra e essa é a característica das grandes crises é uma grande ingenuidade.
Bicho, essa é a característica das crises. Quem espera por datas são as crianças, ansiosas pelo Natal. Tenham sido boazinhas ou malcriadas, elas sempre ganham um presentinho, por mais humilde que ele seja.
Nos mercados não é uma questão de se uma crise vai acontecer.
Mas de quando vai acontecer. E o motivo.
E elas SÃO inesperadas.
Porque elas vão acontecer. E continuarão acontecendo.
Se não fosse o corona vírus, seria por outro motivo: a quebra de um grande banco, a bolha dos títulos americanos, o sistema financeiro.
O mercado não conhece boas razões para uma crise, apenas boas desculpas.
E as desculpas são para quê? As desculpas são para que os grandes investidores institucionais comprem ativos a preço de banana.
A bolsa em 120 mil pontos (no Brasil), esticada como um elástico prestes a arrebentar. Meses de alta acelerada.
E mais: já estávamos há 12 anos da última grande crise, a de 2008. Será que alguém pensou que o “Joesley Day” foi realmente uma crise?
Enquanto isso, o número de investidores pessoa física, saiu de pouco mais de 500 mil há alguns anos para perto de 2 milhões em fevereiro de 2020.
O que as corretoras estão dizendo para essas pessoas?
Devo lembrar que muitas delas, ingênuas, colocaram todas as suas economias em ações. Algumas entraram a 100 mil pontos. 110 mil pontos. 120 mil pontos.
O que elas sentem quando veem as economias de uma vida valerem metade do que antes valiam? O que elas fazem? Vendem com prejuízo? Ficam compradas sem saber se vai cair mais? E quando os preços voltarão ao patamar original?
O histórico mostra que mesmo depois de crises terríveis, os preços voltam e superam.
O que ninguém sabe: quando, de que forma e, se antes de melhorar, não piora.
Assim, quero compartilhar aqui o histórico de algumas crises mundiais com reflexos na bolsa de valores, como elas aconteceram, qual foi “a desculpa” e o que aconteceu depois.
Algumas dessas crises eu vi de perto, pois estou no mercado desde 1997.
Acompanhe comigo.
Crise de 1929
O que vimos a partir de 1929 nas bolsas mundiais nem teve precedente nem teve algo que superasse.
No entanto, se olharmos em um gráfico que venha daquela época até lá até os dias de hoje, a crise que se prolongou por toda a década de 30 não passou de um mero soluço.
Mas, na época, era como se fosse um fim do mundo, dando a ignição à Grande Depressão americana.
Primeiro vamos aos números, sempre frios, sem vida, mas repleto de repercussões emocionais.
Entre 1925 e 1929, os mercados norte-americanos estavam eufóricos.
Os Estados Unidos financiaram o reerguimento europeu depois da Primeira Grande Guerra.
Foram cinco anos de alta vertiginosa, registrada pelo índice Dow Jones.
Muitos novatos entraram na bolsa no final desse período. Acho que você já conhece essa história de algum lugar, não é mesmo?
De fato, gente mais experiente, por outro lado, já começava a perceber que o preço das ações não correspondia à realidade do mercado.
A coisa estava MUITO esticada.
Sim, os países europeus já começavam a andar com as próprias pernas. Os produtos dos Estados Unidos já não eram tão necessários.
No entanto, as indústrias estavam estruturadas para atender essa demanda, até então gigantesca. Máquinas, empregados, imóveis.
Capacidade para muita oferta. Mas cada vez menos demanda.
Ei, eu tenho uma máquina de sorvetes que produz um milhão de bolas de sorvete por dia. Mas, se você trabalha no Polo Norte, quanto vale essa máquina de sorvetes? A economia americana estava virando uma gigantesca máquina de sorvetes no Polo Norte.
Nesses momentos, a bolsa trabalha com ilusões e movimentos de inércia. Subia ainda porque tinha que subir.
Por outro lado, as indústrias demitiam o pessoal já desnecessário para dar conta de uma demanda cada vez mais inexistente.
Mais desempregados? Menos público consumidor ainda. Sem trabalhar, sem salário, não tem quem compre os produtos. A economia americana não estava apenas perdendo o público estrangeiro, mas também o público doméstico.
O sobe e desce acentuado dos preços dos ativos e dos índices naqueles dias demonstrava que o gelo estava começando a rachar na bolsa. Foi no dia 24 de outubro de 1929 que a casa caiu, que o gelo rachou. Foi o dia do chamado Crash.
Foi uma reação em cadeia com algo até então não visto na bolsa de Nova York: uma queda de quase 13%.
Multidões foram para Wall Street, tumultos na bolsa.
Mas não foi só isso. Alguém pode ter pensado: está barato! Vamos comprar.
É. Pode crer. Vamos comprar.
Mas foram três anos de queda. E, nesse período, o índice Dow Jones saiu de 380 pontos para 40 pontos. Uma desvalorização de 90%. Lenta, imparável. Ninguém sabia onde seria o fundo.
Mas ele aconteceu.
De 1935 a 1937, a bolsa apresentou uma recuperação.
Para cair, novamente em 1942, fazendo o que nós sabemos ser um teste de oferta. Um longo teste de oferta. Note que esperar 13 anos para então ver a bolsa voltar para os patamares dos piores momentos da crise é bem desanimador para quem comprou acreditando em pechinchas, mesmo para quem comprou no fundo em 1932 ou 1933.
Mas a partir de 1942, meados da Segunda Grade Guerra, tirando alguns soluços, a bolsa só subiu. Foram 55 anos só de alta: 7.000%.
Crise do Petróleo (1970)
A coisa foi tão louca em 1970 por causa do petróleo que estavam até proibindo pneu com tala larga porque, supostamente, gastavam mais gasolina.
Foi também a ignição da nossa produção de álcool combustível, o etanol.
Nessa década houve diversas crises provocadas pela principal commodity mundial:
- 1973: o apoio dos Estados Unidos a Israel na Guerra do Yom Kipppur teve um preço. Os países árabes, através da OPEP, aumentaram o preço do barril em mais de 400%. Em 1974, o preço saiu de US$3 para US$12.
- 1979: a crise política do Irã fez o preço do barril ir de US$13 para US$34 até 1981. Os Estados Unidos sofreram com a inflação (14,8% ao ano em 1980). O FED (Banco Central norte-americano) teve que subir a taxa de juros do país para 22,36% em julho de 1981.
O Brasil, que tinha financiado o seu crescimento com pesados empréstimos mal negociados pelo regime militar, teve sua dívida impactada por esses juros.
O governo teve que declarar moratória (tipo... devo, não nego, pago quando puder; mas quando um país faz isso, é uma coisa muito séria).
Segunda-feira negra (1987)
Mas a crise do petróleo foi um “solucinho” da bolsa de valores.
O que dizer do dia 19 de outubro de 1987?
Lembra que eu disse que, de 1942 até 1987 foram 4.000% de valorização do índice Dow Jones?
Pois é. Nesse dia a principal bolsa americana perdeu 22% de seu valor em uma sentada só.
Tóquio foi junto, com 15% de queda de uma vez.
A Nova Zelândia viu suas ações despencarem 40%.
Que segunda-feira.
Ninguém sabe dizer muito bem o motivo da desvalorização, não há consenso, mas tudo indica que foi um desequilíbrio do câmbio e da balança comercial. Com o dólar muito caro, ninguém queria comprar os produtos americanos.
O FED aumentou os juros. Os investidores saíram das ações em empresas que estavam sem demanda e foram para os títulos públicos, mais seguros e com renda garantida, já que os juros subiram.
Finalmente, na Segunda Feira Negra, o governo anuncia um déficit de 16 bilhões de dólares e, com isso, toca fogo no circo, que já estava armado.
Nas 15 semanas seguintes, foram perdas de 40% acumuladas no Dow Jones.
Mas quem comprou ações nesse fundo, se deu bem. Pois foram 11 anos seguidos de alta, com uma valorização de 420%.
Porém, nunca é demais dizer, não existe quem adivinhe fundo.
Crise Asiática (1997)
A Crise Asiática de 1997 teve o início na Tailândia.
O país decidiu que sua moeda, o baht, deveria ter um regime de câmbio flutuante, sem correlação com o dólar.
Bom... não deu muito certo. A economia entrou em colapso.
E o efeito se espalhou por todo os chamados, na época, de “Tigres Asiáticos”: Filipinas, Coreia do Sul, Malásia, Indonésia.
Sobrou até para o Japão.
Mas o mundo estava vivendo uma coisa que era uma palavra da moda na época: globalização.
E todos os mercados sofreram.
Crise do Câmbio no Brasil (1999)
A maxidesvalorização do real foi o ápice de uma série de acontecimentos e se deu a partir da metade do segundo semestre de 1998.
Ninguém mais queria o câmbio regulado pelo governo.
Itamar Franco, então eleito governador de Minas Gerais, decretou o calote da dívida do estado, já nos primeiros dias do mandato.
A economia já vinha capenga há um tempinho. E no dia 12 de janeiro de 1999, o chefe do Banco Central, Gustavo Franco, pediu demissão e deu lugar a Francisco Lopes.
Boa oportunidade para acabar com o câmbio fixo.
O real caiu 60% naquele mês.
Quem comprou dólar se deu bem.
O subprime (2008)
Antes da crise dos Subprime tivemos a Bolha das Ponto Com (Nasdaq) em 2000, mas a abordamos no artigo anterior, em que ensino a técnica Sato’s Kamikaze.
A história da crise dos subprime, bem resumidamente, foi: concessão de crédito imobiliário a um público potencialmente inadimplente.
Essas dívidas eram “embaladas” em instrumentos securitizados que eram vendidos como investimentos extremamente seguros (avaliados por agências de risco que ainda hoje atuam dando ratings pra muito investimento por aí... fique de olho).
As pessoas compravam esses instrumentos com promessas de ganhos altíssimos, mas o valor desses papeis dependia de que as dívidas que os originaram fossem honradas.
Acontece que tudo isso realimentava a alta do mercado imobiliário americano, as pessoas aproveitavam para refinanciar suas casas, comprar mais imóveis... o ciclo parecia não ter fim e muita gente acreditava que não teria.
Mas teve. Em algum momento, o excesso de oferta fez o preço dos imóveis cair. Quem tinha financiado o imóvel se recusava a pagar um financiamento caro por uma casa em uma vizinhança cujas casas valiam uma fração do que estavam sendo cobrados.
Ok. Não paga? O banco toma o imóvel. Mas o que fazer com esse imóvel se ninguém mais quer comprar? Acho que você entendeu o problema e o ciclo vicioso que se criou a partir daí.
No final, quanto valem aqueles títulos subprime que os investidores compraram? Muito pouco. Nada talvez.
O mercado caiu 55% em 1 ano e 3 meses.
Se alguém acertou o fundo, até o topo recente da bolsa, chegou a ganhar 400% em 10 anos. Dependendo das ações que comprou, muito mais. E, pode apostar, mesmo essa queda monstra dos últimos dias não chega a assustar quem fez isso. No máximo, a pessoa ficou chateada.
Crise do Coronavírus
A crise atual sabe-se lá como será chamada. Talvez a crise do Corona. Se não fosse o Corona, talvez o que a desencadeasse fosse a briga dos russos com os árabes por causa do preço do petróleo, desta vez pela desvalorização devido ao aumento da produção árabe.
Não importa.
Independentemente da questão sanitária que preocupa o mundo e certamente é mais importante, tudo o que o mercado precisa é de uma boa desculpa para uma crise, para ter uma correção violenta e ensurdecedora de cotações e preços muito esticados, quando milhões de novatos ingênuos são sugados para uma armadilha no topo.
O que todas as crises têm em comum e provavelmente é o caso dessas:
- Cordeiros comprando ativos no topo do mercado, ignorando a assimetria de risco (arriscando perder muito para ganhar pouco, quando o correto seria arriscando perder pouco para ganhar muito).
- Cordeiros vendendo barato para os lobos, que compram ativos a preço de banana
- A bolsa volta a subir: não sabemos se vai cair mais por um, dois, três meses ou anos, se vai lateralizar por um bom período ou se, ainda, haverá outra crise pior por cima dessa. Mas ela sobe e, pode acreditar, antes de subir, o dinheiro já trocou de mão, indo dos possuidores fracos para os possuidores fortes, que passarão a se posicionar em empresas que têm condições de sobreviver às piores adversidades.
Para essas horas de desespero, eu uso o que eu chamo de Sato’s Kamikaze, que você deveria conhecer no nosso artigo anterior